quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Cura de Tours - segunda história de Os Celibatários (abril de 1832)


Personagens: padre Francisco Birotteau, padre Troubert, padre Chapelaud, Sofia Gamard, Mariana (criada), senhora de Listomère, Barão de Listomère (sobrinho da senhora de Listomère), senhor de Bourbonne.

A história se passa entre 1826 e 1827.

Em Cura de Tours Balzac mostra ao leitor como é possível escrever uma história cheia de emoção e de paixão tendo quase nada como seu objeto.
Birotteau, vigário da igreja de São-Gatien, residia confortavelmente como pensionista da senhorita Gamard, uma circunspecta solteirona que, além de Birotteau, também hospedava o padre Troubert. Birotteau sucedera ao falecido padre Chapelaud na morada da solteirona Gamard. Chapelaud, que lá residira por 12 anos, havia dotado seus aposentos de mobília luxuosa, tapetes caros, quadros de pintores famosos e de uma biblioteca cheia de preciosidades. Birotteau invejou por anos aquele conforto até que, com a morte de Chapelaud, herdou as instalações do amigo. Além do conforto, Birotteau cobiçava a boa comida da senhorita Gamard e os serviços dedicados prestados por ela e pela criada Mariana. Birotteau, que tudo que almejava na vida era conforto e boa comida, estava no céu. Foi quando a senhora Gamard começou a cortar as suas regalias. Eram dois os motivos: Birotteau frustou seus intentos de formar um salão em Tours, ao preferir os serões em casa dos nobres Listomère; e Troubert desejava os aposentos. Sofia Gamard termina por aproveitar uma estada de Birotteau em casa da senhora Listomère para impedir o seu retorno. Convenceu-o a assinar uma desistência. O vigário desconhecia uma cláusula do contrato que dizia que em caso de desistência, a mobília ficaria com ela.
As manobras de Gamard e Troubert acarretaram, incialmente, solidariedade para com Birotteau. O Barão de Listomère ofereceu-se para atuar como seu advogado e sua tia passou a hospedá-lo. Somente o senhor de Bourbonne aconselhou Birotteau a se conformar com a situação. Foi quando o Barão teve negada uma promoção que era dada como certa para um posto da Marinha. Descobriu em Paris que isso ocorrera pela interferência de Troubert. Os Listomère capitularam e abandonaram Birotteau. O infeliz vigário acabou transferido para São Siforiano, arrabalde de Tours. Sofia Gamard faleceu e deixou tudo para Troubert.
É impressionante a habilidade de Balzac de criar conflito com essa trama. Acompanhamos com apreensão os sinais de que Birotteau estava perdendo o seu conforto. Nos exasperamos com a injustiça e a maldade da dupla de celibatários Gamard e Troubert.
Ele criou três personagens memoráveis. Birotteau é o padre gorducho, comilão, cuja maior aspiração é viver confortavelmente. Na noite em que começou a dar-se conta da má vontade de Gamard, “enquanto não vinha o sono, o bom vigário escavava inutilmente o cérebro e, sem dúvida, bem depressa lhe sentiu o fundo, para encontrar uma explicação para a conduta singularmente descortês da senhorita Gamard. Com efeito, tendo sempre agido muito logicamente de conformidade com as leis naturais de seu egoísmo, era-lhe impossível descobrir suas faltas para com a hospedeira. Se as coisas grandes são simples de compreender e fáceis de exprimir, as pequenezas da vida exigem muitas minúcias. Os acontecimentos que constituem, de certo modo, o prólogo deste drama burguês no qual, entretanto, as paixões se mostram tão violentas como se fossem excitadas por grandes interesses reclamavam esta longa introdução (...)”.
Gamard é uma solteirona do time da pérfida Sofia Rogron. Balzac odiava os celibatários em geral, mas odiava muito mais as solteironas do que os padres. Para ele, a existência da mulher estava visceralmente ligada ao amor e aos filhos. Uma solteirona, portanto, não tinha nenhuma serventia. E a amargura de não ter um homem com quem dividir a vida e filhos para criar tornava-as mesquinhas e más. No final, Gamard terminou sendo vítima também de Troubert que a detestava, a usou para afastar Birotteau e ainda ficou com todo o seu patrimônio.
Já Troubert é o padre sinistro. Balzac deixa claro que em outras épocas ele seria um Bórgia ou um Torquemada. Mas na época medíocre em que se passa a história, ele usou suas habilidades para roubar a mobília de um vigário da província.
O Cura de Tours é mais uma história adorável do mestre da Comédia Humana.

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